“A família que doa pratica um ato de amor genuíno ao próximo”
“Se as famílias entendessem que apesar do luto e da tragédia de perder um familiar, a vida de outras pessoas podem ser salvas, não teríamos um índice tão alto de recusa familiar na hora de optar pela doação, o que hoje, no Brasil, corresponde a 40% dos casos”, desabafa o médico cirurgião cardiovascular e especialista em transplante, Dr. Ronaldo Honorato Barros dos Santos, que integra a equipe do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). O especialista participou nesta quinta-feira, dia 22, da terceira captação de órgãos do mês de dezembro realizada no Hospital de Caridade São Vicente de Paulo (HSV). Desta vez a generosidade veio da família de um homem de 40 anos, cujo coração, pulmões, rins, fígado e córneas serão doados para a esperança de outras vidas.
“O maior índice de potenciais doadores está na faixa etária dos 18 aos 34 anos, vítimas da violência urbana e acidentes de trânsito. Porém, como são jovens, dificilmente a família chega a tocar no assunto de doação, afinal, nenhuma família gosta de falar de morte. Mas para salvar vidas é preciso discutir abertamente sobre o assunto, assim as famílias estarão convictas da escolha que estão fazendo”, diz o médico. “Hoje, em nosso país, metade das crianças que estão na fila aguardando um órgão, morrem na fila do transplante”, lamenta.
Com mais de 22 anos de dedicação à área, Dr. Barros comemora um tímido avanço em comparação ao ano passado. “Com esta captação chegamos à 59 transplantes de coração neste ano, em 2021 foram 54”, diz. “Mas neste momento, só no InCor, temos 18 pacientes internados em estado extremamente grave, a espera de um coração. A pessoa que receberá este coração doado aqui hoje, está em nossa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) há seis meses. A família que doa pratica um ato de amor genuíno ao próximo”, define.
Com a doação realizada nesta quinta-feira, a Comissão Intra Hospitalar de Transplantes (CIHT) do HSV chega ao total de 10 doadores no ano, sendo que 45 pacientes tiveram morte encefálica confirmada, o que é quesito para a doação. Dos 45 pacientes, sete não concretizaram a doação por recusa familiar e outros 28 por contra-indicação ou ausência de responsável legal. Em 2021, foram 44 pacientes com morte encefálica e 15 doações concretizadas, 14 famílias recusaram a doação e 29 tiveram contra-indicação. Em números de órgãos, 2022 chega a 51 órgãos doados no HSV, frente a 85 do ano anterior.
Quem vive o momento da captação de órgão sabe que é necessário o empenho de uma grande rede para que cada órgão chegue intacto ao paciente receptor, obedecendo o tempo de isquemia, que é o tempo que o órgão resiste entre a captação e transplante – e em boas condições. O enfermeiro Vinícius Nascibem, que trabalha no HSV há 16 anos, descreve a complexidade do processo. “São várias equipes atuando ao mesmo tempo, o que é diferente das demais cirurgias”, explica. “Nós somos responsáveis por dar toda a assistência técnica a esses profissionais e sabemos da importância desta ajuda mútua, estamos sempre prontos para ajudar e que tudo possa dar certo, é uma chance importante para a vida do paciente que aguarda pelo transplante”, resume ele sobre a corrida vital.
A doação é realizada a partir da confirmação da morte encefálica, validada por uma série de exames e com o consentimento da família. Para que isso ocorra, há uma equipe multidisciplinar que atua no HSV. São psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, equipes médicas e de enfermagem, dentre outros profissionais.